Projeto Costa Norte do Brasil: Conectando a Rede a um Sítio WHSRN e Suas Comunidades

Reentrâncias Maranhenses é uma região na costa ocidental do Maranhão, nordeste do Brasil, nomeada em 1991 como um sítio da Rede Hemisférica de Reservas para Aves Limícolas (WHSRN, sigla em inglês). O número de aves limícolas migratórias utilizando a região é tão grande (centenas de milhares!) que justificaram sua inclusão na WHSRN como um Sítio de Importância Hemisférica – o único no Brasil a ter esse status! 

Com uma área de 2.680.911 ha, o sítio WHSRN das Reentrâncias Maranhensesl abriga grande parte da população de quatro espécies de aves limícolas migratórias das Américas durante o verão austral: Baituruçu-de-axila-preta (> 50%, Pluvialis squatarola), Vira-pedras (> 70%, Arenaria interpres), Maçarico-de-asa-branca (> 40%, Tringa semipalmata) Maçarico-de-bico-torto (> 40%, Numenius phaeopus).  

As características das áreas úmidas dessa região são singulares. O nome da região, “reentrâncias”, refere-se à costa extremamente recortada e baixa, com inúmeras baías pontilhadas de ilhas, bancos de areia, canais de maré, estuários e extensos manguezais, que proporcionam excelente habitat para nossas aves limícolas. Essas reentrâncias fazem parte da maior faixa contínua de manguezais (721.000 ha) do planeta, que se estende do Maranhão ao Amapá e configura o Sítio Ramsar Estuário do Amazonas e seus Manguezais. Não é à toa que tantas aves limícolas escolhem esse sítio WHSRN para descansar no período não-reprodutivo, ou quando estão migrando para os extremos norte e sul das Américas. 

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As paisagens litorâneas das Reentrâncias Maranhenses. Foto: Edgilson Pinheiro

Desde sua nomeação como sítio WHSRN, as atividades relacionadas com aves limícolas e sua conservação estiveram focadas no monitoramento das populações de aves (censos aéreos e terrestres) e à marcação de milhares de indivíduos. Ainda há trabalho a ser feito com as comunidades locais e outras partes interessadas. 

Existem 15 municípios dentro da área do sítio, com aproximadamente 250.000 habitantes. Grande parte da população que vive majoritariamente na região litorânea, tem ou teve contato com a pesca artesanal de peixe e camarão. No entanto, apesar de dependerem economicamente das áreas úmidas e de vivenciarem esse ambiente em seu dia a dia, as comunidades e os representantes dos poderes públicos locais têm um conhecimento limitado sobre as aves limícolas migratórias. É comum confundirem os grandes bandos de aves limícolas com “passarinhos”. Apenas aqueles que eventualmente caçam essas aves conseguem reconhecê-las. 

O Projeto Costa Norte do Brasil, desenvolvido pela SAVE Brasil em colaboração com o Escritório Executivo da WHSRN e com apoio da Manomet Conservation Sciences, Environment Climate Change Canada e Fundação Bobolink, tem como objetivo conectar o sítio das Reentrâncias Maranhenses, em sua totalidade – ambiente, aves e pessoas, à WHSRN e às estratégias nacionais e internacionais voltadas à conservação de aves limícolas, ao mesmo tempo em que busca-se entender se há outros sítios potenciais na região. As ações estão alinhadas com o Plano de Ação Nacional para a Conservação das Aves Limícolas Migratórias – PAN Aves Limícolas e com a Iniciativa Pró-Aves Limícolas Migratórias na Rota do Atlântico – AFSI, sigla em inglês.  

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Escolas em Cururupu, junho de 2024. Foto: SAVE Brasil

Nesse último ano, levamos às comunidades tradicionais e poder público regional e local, informações sobre a biologia das aves limícolas, sua dinâmica de migração e a importância das áreas úmidas para a manutenção de suas populações. As ações focaram em três eixos principais: i) monitoramento (censo) de aves, ii) engajamento do poder público, de escolas e público geral, e iii) capacitação do setor de turismo local. 

O monitoramento das populações de aves limícolas, feito mensalmente ao longo da Baía de São Marcos e da Baía de São José, no Maranhão, segue o protocolo do Monitoramento Internacional de Aves Limícolas – ISS (sigla em inglês). Apesar das dificuldades logísticas inerentes à região, os censos são feitos em cinco locais na Ilha de São Luís e já resultaram em quase100 listas submetidas ao eBird, sob o protocolo ISS. Janeiro é o mês com maior abundância total de aves limícolas, e a espécie mais comum é o maçarico-rasteirinho (Calidris pusilla), com quase 14 mil aves contadas. No entanto, o maçarico-de-asas-brancas (Tringa semipalmata) e o batuiruçu-de-axila-preta (Pluvialis squatarola) são mais comuns em março. 

O engajamento com o setor público foi feito através de uma série de apresentações e capacitação para os servidores de meio ambiente, educação e turismo do estado e dos municípios-chave para essa primeira etapa do projeto. Além de informações sobre as aves e do grande valor da região para elas, foi ressaltado para os participantes o valor agregado que as aves e seus ambientes conservados trazem para a região, citando como exemplo o turismo. Enfatizou-se também a importância da colaboração entre os setores público, privado e não-governamental para a efetiva conservação das aves. 

As atividades nas escolas abusaram do lúdico para ensinar às crianças da Educação Infantil (3 a 5 anos) e Ensino Fundamental I (6 a 14 anos) o que são aves e quais suas necessidades. Molde de bicos em gesso, brincadeiras de alimentação, bonecos de aves com diferentes plumagens e pesos e até tablets apresentando vídeos de aves limícolas em seus ninhos, permitiram às crianças explorar diferentes sentidos enquanto aprendiam sobre as variadas adaptações que as aves limícolas possuem para conseguir migrar e se alimentar nas praias e manguezais. Todas as crianças que participaram das atividades (total de 662) receberam material de apoio para levar para casa e continuar o aprendizado junto com suas famílias. O “Bicoletim”, dando alusão a um boletim das aves (“bico”), conta a história de Margot, uma vira-pedras (Arenaria interpres) encontrada em 2023 em Ilhéus, Bahia, e anilhada em New Jersey em 2013. A história é narrada no formato de uma entrevista com Margot e faz o maior sucesso. O livro de atividades “Aves Limícolas nas Américas”, parte integrante do Discover Shorebird Curriculum na versão em português, também foi distribuído e tornou-se uma incrível ferramenta para as atividades com as crianças. Em algumas escolas, por demanda da direção, também foram feitas atividades práticas de observação de aves em campo. No total, foram atendidas seis escolas em dois municípios – Raposa e Cururupu, Maranhão. 

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O livro de atividades “Shorebirds in the Americas”, que faz parte do currículo Discover Shorebirds em português, foi distribuído e é um excelente recurso para atividades com crianças.

Para fazer o engajamento do público geral, aproveitamos datas comemorativos como o Dia das Crianças e desenvolvemos atividades de observação de aves limícolas nas praias de Raposa e São Luís, Maranhão. Disponibilizando binóculos e lunetas, orientação para identificação e compartilhamos com o público interessado curiosidades sobre a migração. As quase 200 pessoas, entre crianças, jovens e adultos, que participaram, nunca haviam ouvido falar de aves limícolas. Durante a interação, o público foi alertado sobre o impacto de carros circulando nas praias, assim como a presença de pets e lixo. 

Foi também no município de Raposa, Maranhão, que aconteceu a capacitação do setor turístico. A beleza natural dos ambientes e a procura, por parte dos turistas, a momentos de lazer e relaxamento na natureza, ofereceu a oportunidade de agregar valor aos passeios. O objetivo foi capacitar o guia turístico e o condutor de embarcação a reconhecer as espécies utilizando uma prancha de identificação e fornecer informações sobre a biologia, migração, ameaças, conservação e importância regional para as aves limícolas. Dessa forma, promovemos a conscientização dos provedores de serviço e também dos turistas. A capacitação de 20 provedores de passeios locais cunhou o novo “turismo amigo das aves limícolas”. Próximos passos incluem ações de capacitação junto aos hotéis, pousadas e restaurantes do município. 

O caminho para uma integração fluida com a rede é longo, mas já é possível ver que a curiosidade, admiração, e cuidado demonstrado pelas comunidades que participaram das ações do Projeto Costa Norte do Brasil abriram as portas para que as Reentrâncias Maranhenses se apropriem do seu status de Sítio de Importância Hemisférica da WHSRN e utilizem as experiências disponibilizadas pela rede e adaptadas sua realidade.  

Nosso desejo é que cada comunidade e cada um dos stakeholders identificados, reconheçam as aves limícolas e ensinem seus filhos e amigos sobre as incríveis jornadas que essas aves são capazes de fazer e que isso ecoe nas ações de cada um, aumentando o respeito às aves e ao ambiente do qual elas dependem. Com isso, nossa missão de conservar áreas úmidas e aves limícolas estaria finalmente sendo cumprida. 

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Vinte prestadores de serviços de turismo locais foram treinados e um novo termo, “turismo favorável às aves marinhas”, foi criado.

Foto de capa: Vista aérea de Reentrâncias Maranhenses, Brasil. Foto: Edgilson Pinheiro